Solidão e Solitude - (texto escrito em 2009)

Mundo globalizado, informatizado, conectado e solitário. Pessoas estão ligadas umas às outras virtualmente. E-mails são conhecidos, páginas de relacionamentos diversas. Distância, solidão. Em um mundo de intensas buscas, de correria que aumenta sempre e mesmo com todas as ferramentas que temos disponíveis, para que os processos sejam acelerados, para que a comunicação seja mais e mais ágil, o dia parece pequeno, insuficiente.

Quero almoçar com alguns amigos, (até porque minha alimentação corresponde ao dia-a-dia capitalista – fast-food trash, ou em bom português, ‘alimentação que um dia o corpo pedirá a conta de tanta irresponsabilidade!’). Quero passar na casa de antigos irmãos de caminhada. E pessoalmente, sem celulares, sem mandar um torpedo, até porque torpedo só em caso de guerra e todos queremos a paz... Mas o meu dia foi tão cheio... E amanhã tem mais, e esta semana está tomada, o mês muito difícil, e fazemos planos para 2010. Que não serão cumpridos. E me lembro do início deste 2009 e da frase do Frei Betto (a qual nem de longe coloquei em prática até agora):

”"Neste ano-novo, faça-te novo, reduzas a tua ansiedade, cultivas flores no canteiro da alma, regues de ternura teus sentimentos mais profundos, imprimas a teus passos o ritmo das tartarugas e a leveza das garças. "
Numa época em que aniversário é felicitado pelo Facebook e comemoração só dos relacionamentos que me interessam, precisamos rever nossos conceitos. E isso se faz em silêncio, olhando para dentro de nós. Afinal de contas, para aqueles com quem ainda tenho algum vínculo antigo, mas não tenho interesse nesta relação atualmente, dou um telefonema. O importante é lembrar! – diriam a maioria. Contato, fora de aniversário, só telefônico mesmo. Lembranças antigas, saudosismo. Saudade de um tempo onde a amizade era, normalmente, desinteressada. Daí surge a ideia de que tais amigos do passado foram os melhores. Podem até ter sido, mas não necessariamente. Na verdade, crescer gera neles (e em nós!) pessoas que só têm olhos para suas próprias vidas, por isso temos saudade. Torno-me independente, e deixo de simplesmente crer. Acho que já ouvi isso em algum lugar...

Os relacionamentos atualmente são voltados para as coisas com as quais estou envolvido. E se alguém liga depois de bastante tempo, normalmente já estará à caminho um novo e revolucionário produto, que estranhamente é vendido em um negócio que se desenvolve numa espécie de rede... Estranho, interesseiro, amizade superficial ou inexistente. E aumenta-se a sensação, para os que percebem o recado, de que se está sozinho e de que os verdadeiros amigos são poucos. Aos que permanecem na correria, falta de domínio próprio repentino, mágoas nos diversos ambientes (trabalho, família, igreja, etc) podem ser sintomas claros da ausência da solitude, mas repletos de solidão e que revelam uma espiritualidade nula.

E nas frustações dos que correm atrás do vento, remédios são apresentados como solução para o problema da ansiedade, da fobia social, distúrbio do pânico, das formas de ansiedade generalizada . Rivotril, remédio que trabalha a ansiedade, o medo. Para solidão não existe algo receitado previamente, mas as pessoas acabam fazendo uso de algumas substâncias que as façam sentir menos tristes, menos solitárias. Mesmo que seja o álcool, ou ainda pior, como as drogas ilícitas.

Quem nada tem, não tem o que perder. Quem tem muito, quer muito mais. E a vida é intensa, os dias são corridos. Então, acontece, por força das circunstâncias e auxílio de Deus que, em determinado momento um indivíduo fique diante dele mesmo. Mas não teremos reflexão, silêncio. Ao contrário, será ligado um rádio, TV, faremos uma ligação celular. O silêncio é proibido, afinal, não quero parar pra pensar. Mas precisa-se de parceria. Parceria de amizade, sexual, sentimental, virtual. Qualquer uma. A solidão é temida, como os são os medicamentos que nos tornam reféns deles mesmos e que nos mantêm cativos em nossa solidão. Mesmo em meio à muita gente, porque não??

O desafio dos que clamam “venha o Teu Reino” é o de conhecer mais profundamente o Rei. E este, assim como o Reino, está dentro de nós. Portanto a solitude, não a solidão, precisa ser exercitada, amada, desejada. O encontro em nós mesmos com o Rei de toda a terra se dá no silêncio. Como Elias que esperava que o Senhor com ele falasse em meio ao forte vento, ao terremoto, ao fogo. Mas ele o ouviu após o “cicio tranqüilo e suave” . O incrível é que aqueles que experimentam desta solitude não se sentem sós. Como define de maneira maravilhosa o autor Richard Foster em Celebração da Disciplina, ao afirmar que a solitude é mais um estado de mente e coração do que um lugar. A solitude se dá dentro de nós. E enquanto a solidão é vazio interior, a solitude é plenitude. E é o remédio para os tempos modernos, os remédios, as drogas que se apresentam como fugas à realidade, o vazio de uma vida sem sentido.

Jesus foi um homem que contemplou o Pai e que se alimentou todo o tempo de momentos de solitude. Para Ele era uma disciplina. Seja no deserto, nos desafios, no período que antecedeu sua paixão. Ele amava estar só, exatamente porque aí era o momento em que Ele não estava só. Mais um paradoxo do Reino. A solitude como alimentadora de Sua espiritualidade. Henry Nowen afirma que sem a solitude é virtualmente impossível se ter uma vida espiritual. É o Pai que vê em secreto. A oração , o jejum , e o que se dá aos pobres . E em secreto, Ele recompensará!

Jesus entendeu a solitude, assim como os discípulos e muitos homens e mulheres durante os séculos que se seguiram aos tempos bíblicos do Novo Testamento. Mas tal discurso hoje se torna difícil de perceber, e mais ainda de se viver. Mas é o método eficaz e saudável para ajudar em nossa vida. Espiritual, no sentido das outras disciplinas como oração, jejum, contemplação, como em nossa saúde, na comunicação do Reino em forma do que chamamos evangelização, na criação de nossos filhos, em favor de casamentos sadios, em favor dos irmãos e dos amigos. Em favor do Rei.  

[1] Definição em http://www.psicosite.com.br/far/ans/rivotril.htm. Acessado em 24/04/09.
[2] I Reis 19:11-13.
[3] Mateus 6:6.
[4] Mateus 6:18.
[5] Mateus 6:4.

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